Sara Marriott e o efeito borboleta azul

Nos anos 80, quando Sara Marriott veio para o Brasil e decidiu residir no campus de Nazaré Uniluz, trouxe consigo o hábito de fazer caminhadas na Natureza. Ela caminhava diariamente e os residentes da época se intercalavam para acompanha-la. Enquanto ainda vivia em Findhorn, no norte da Escócia, ela caiu, machucou seriamente o pé direito e teve que passar por uma cirurgia para a instalação de um pino de titânio. Sara contava que os médicos lhe disseram que, por conta da gravidade do que acontecera, o seu futuro seria o de caminhar sempre apoiando-se em uma bengala. Mas Sara não “comprou” a ideia de se tornar dependente de uma bengala e o seu Espírito livre e muito comprometido com a Vida e com os níveis superiores da consciência – seus Parceiros Internos – fez da sentença médica uma experiência de transformação e libertação. Ela nunca usou uma bengala para caminhar e o pé se recuperou completamente.

Em suas caminhadas, Sara escolhia algumas trilhas e pulava porteiras sempre que elas estavam fechadas em algum trecho do caminho escolhido. Contudo, por conta dos degraus e das muitas rampas de subidas e descidas do terreno em Nazaré, era recomendável e sensato que ela fizesse as caminhadas apoiando-se no braço de alguém. E não faltaram voluntários e voluntárias para acompanha-la nessas caminhadas matinais. Seu bom humor, alegria e gratidão estavam sempre à espera de quem vinha oferecer-lhe o braço como o apoio seguro e necessário, naquela instância.

E foi caminhando na região da mata Atlântica onde estamos instalados que Sara se encontrou com a Borboleta Azul. A Borboleta Azul também se encontrou com Sara. E as duas passaram a marcar encontros regulares, sempre que a estação dos voos daquelas asas azuis se fazia presente. “Oh, ooh!” ditos com suavidade, era o que se ouvia como expressão de encantamento e admiração. Ou uma paradinha na caminhada para observar e contemplar. No compasso do seu voo, a Borboleta Azul revelava aquilo que estava transbordando de significado para Sara, no abrir e fechar das asas, ao mesmo tempo suave e dinâmico, mimetizando-se e desaparecendo nos tons escuros e amarronzados na terra e na mata, quando as asas se fechavam, para logo se abrirem e se revelarem numa explosão cintilante daquele azul encantador.

Segundo a ciência da biologia, uma lagarta vive num mundo bidimensional e tem um cérebro específico e adequado para controlar e dirigir o tipo de corpo macio que ela tem. Ela se arrasta e se alimenta de folhas, incessantemente. Ao fazer isso, ela ainda não descobriu que terá de se transformar em um tipo de criatura voadora, com elementos firmes e absolutamente diferentes daquele seu corpo mole e quase líquido. Durante esse processo, o cérebro é praticamente dissolvido, de modo que a maior parte das conexões conhecidas pela lagarta é rompida, a maior parte das células é eliminada e uma extraordinária reorganização transformacional já está acontecendo no ser da lagarta.

Mas isso é um tipo de encantamento que pode gerar uma pergunta filosófica de como é ser uma lagarta se transformando em borboleta, em tempo real, e não apenas numa escala de tempo evolutiva, mas no tempo de sua própria vida. E essa é a grande mudança e a primeira coisa a ser considerada. O que acontece com as memórias e a aprendizagem da lagarta? Ela se lembrará disso como borboleta? O que será de tudo isso com o seu cérebro sendo radicalmente refeito? E a lembrança de comer folhas? Como é transformar o conceito de mastigar folhas em sugar o néctar de flores? O que fazer com os movimentos específicos de rastejamento quando algo muito mais complexo, que envolve um processo de navegação que será implementado ao voar para cá e para lá, com músculos completamente diferentes e numa arquitetura diferente? O que acontece com a lembrança de rastejar quando agora se pode voar?

É um processo de transformação tão radical que pode induzir o pensamento ou a indagação do que pode acontecer com a identidade desse indivíduo. O que seria se a lagarta soubesse o que estava por vir e lhe dissessem: bem, você vai se transformar radicalmente, mas não se preocupe, você ainda terá algumas de suas lembranças, mas suas prioridades serão diferentes. Você não vai mais se importar com folhas e vai querer experimentar o néctar ainda desconhecido. Como você convenceria uma criatura como essa de que isso é grandioso e perfeitamente natural para ela ser?

No seu livro, Nossa Ligação com as Energias Superiores (Editora Pensamento 1988 p.73) ela escreve:
Dentre às lições com que me presentearam, uma veio com um pensamento… que desafiava minha mente: “Sua experiência está fundamentada num mundo tridimensional e é difícil aceitar a realidade de uma orientação que não esteja contida nesse espaço…Sua ideia de espaço é uma pequena parte de um todo maior, apenas aquela parte que seus sentidos limitados são capazes de aprender. …Sua personalidade é como um quadrado, mas quando aberta para as energias superiores e criativas, ela se expande para se transformar num cubo que pode ser visto de uma região mais elevada… Essa dimensão mais elevada é experimentada pela borboleta, embora para a lagarta esse mesmo espaço não seja perceptível.”

Com muito bom humor, quando o tema sobre os níveis superiores da consciência eram abordados, Sara podia citar um poema que, em sua visão, expressava a abordagem de algumas pessoas em relação à Supraconsciência. Isso também expressava a sua conexão com a borboleta azul e o seu significado transcendental:

Duas lagartas alimentavam-se sobre a folha,
Ruminando o seu bem comum,
Confiantes enquanto mastigavam, na partilhada crença
De que nada realmente importa quando se tem
Um bom suprimento de alimentos para passar
Os momentos de mastigação. “Quem pediria
Por coisa melhor para ocupar o seu dia?”
Elas refletiam antes de retornar à sua tarefa.
Acima delas, bailando alegremente no céu
Com suas asas azuis, as lagartas viram
Uma resplandecente borboleta, iluminada pelo sol.
Olharam-se com um misto de medo e reverência.
“Que bobagem,” zombou uma delas, “você acha
Que alguma vez eu arriscaria minha vida numa coisa assim?!”*

Devem ter sido muitas as pessoas que, em caminhadas com a Sara, vivenciaram esse encontro com o espírito encarnado da transformação alada e azul. Sara certamente comunicava o seu encantamento diante de uma obra-prima da Natureza e da revelação de uma transformação radical que ela conheceu e que pode ser vivida na consciência humana, sendo a Borboleta Azul um exemplo vívido da manifestação plena disso.

O efeito borboleta azul ainda não é um conceito conhecido pela ciência nem procede da teoria do caos. Contudo, em Nazaré Uniluz ele está sempre circulando, provocando transformações sutis e revelando a interligação eterna de Sara Marriott com a Vida e com todos aqueles que, ao ver a borboleta azul passando em seu voo azul cintilante, sabem que é Sara dizendo: “Alô-ô!”

(*O poema o se encontra no mesmo livro e página citados acima.)

por Sônia Café – Escritora, Co Fundadora e Colaboradora de Nazaré Uniluz.

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram