Parafraseando Alan Watts: A Arte de deixar as coisas acontecerem

Estar caminhando na Natureza e notar uma dessas sementes que são como plumagens levadas pelo vento. Apanhar uma delas e olhar bem, dando-se conta de que a semente emplumada parecia querer escapar, como se fosse um inseto segurado por uma das pernas. Ela parecia estar lutando para escapar e surge o pensamento de que talvez não fosse bem isso o que estava acontecendo, era apenas o vento soprando… e pensou outra vez, realmente, é apenas a estrutura dessa coisa emplumada que existe num estado de cooperação com a existência do vent, é isso que a capacita a se mover como um animal, mas usando o esforço do próprio vento e não o seu. De certa forma, ela parece ser mais inteligente que um inseto, pois um inseto usa o próprio esforço, assim como uma pessoa remando no próprio barco. Contudo, se esse remador estende uma vela, será movido por uma outra magia, ao permitir que a natureza faça isso por ele. Com a inteligência de usar uma vela em seu barco e sem usar muito esforço, ele passa a ver que tudo começa a cooperar entre si, naturalmente.

O mesmo, por exemplo, poderia se aplicar a alguém que não precisa ficar no governo ou no controle ou dando uma atenção exagerada ao seu próprio corpo, a menos que esteja doente, é claro. Tudo acontece naturalmente, dia após dia, e quanto melhor e mais sadio está o corpo, menos será preciso pensar sobre ele. Quando se enxerga bem, não se pensa sobre os olhos. Se alguma coisa errada acontecer com eles, pontos escuros aparecerão, a visão fica turva. Quando se escuta bem, ninguém fica escutando os próprios ouvidos, mas se aparecer um zumbido, no meio do ato de ouvir, os ouvidos passam a ser um empecilho para a audição.

Portanto, é dessa forma que uma pessoa, com toda a sua complexidade, pode acabar sendo um empecilho para a sua própria existência, criando um centro de separatismo e ficando demasiadamente sensível à sua própria existência.

Em japonês, alguém que tenha mushin (Zen) ou em chinês wuxin (Tao) é uma pessoa de uma ordem mais elevada. Significa que o seu centro psíquico não atrapalha nem é um empecilho para o fluir da sua vida. Ela opera como se não estivesse ali. Chuang Tzu diz que a pessoa de consciência mais elevada e livre usa a mente como se ela fosse um espelho, refletindo o que surge sem se apegar e sem se recusar a refletir. A mente recebe o que nela se reflete, mas não se apossa dos seus conteúdos.

Há um poema que fala de gansos voando sobre a água e sendo ali refletidos, mas eles não têm a intenção de lançar aquele reflexo e a água não tem uma mente para reter esses reflexos ou imagens. A totalidade de todo esse movimento vai acontecendo no mundo, como se a mente ou o eu separado estivesse ausente e a ausência disso é a condição para se estar presente.

Quando o cinto está confortável em volta da cintura, o corpo não o sente, quando os sapatos são confortáveis, é como se ninguém os estivesse usando. Quanto mais se percebe essas coisas como não sendo estranhas, mais elas se encaixam, pois no estado de estar em concordância com o Tao, surge esse sentimento de leveza que é o mesmo que as pessoas sentem quando estão num espaço amplo e aberto ou quando mergulham fundo no oceano e claramente se conectam com a sensação de que não estão carregando o próprio corpo por aí. E o que é essa leveza? Isso significa que alguém está se movendo e caminhando sem precisar estar em constante oposição a si mesmo. A maioria das pessoas se move em constante oposição a si mesmas e isso acontece porque elas têm medo de que se não estiverem se opondo a si mesmas e no controle de tudo, o tempo todo, algo terrível poderá acontecer.

Quando o ser humano desenvolveu o poder de ficar consciente de si mesmo e de saber que ele sabe, em outras palavras, quando o córtex se formou sobre o cérebro original, ele caiu em desgraça e essa foi a queda do ser humano, o momento em que desenvolveu a sensação de estar no comando das coisas, de estar no controle de si mesmo. E só é possível ter essa sensação quando se percebe o que se está fazendo e, então, fica-se ansioso: será que estou suficientemente consciente de mim mesmo? Será que estou levando em consideração todos os fatores? Será que fiz tudo que deveria fazer? E então, começam os temores.

Esse é o grande predicamento humano – o desenvolvimento da autoconsciência e da possibilidade de refletir sobre o próprio conhecimento.

Lao Tzu diz: “Considerem o universo, as estrelas aparecem na abóbada celeste todas as noites, invariavelmente. O sol nasce e se põe contínua e aparentemente, pássaros voam em bandos e migram sem exceção, flores e árvores sempre crescem para o alto. Você e sua fala sobre caridade e dever em relação ao próximo servem para introduzir confusão no estado natural das coisas e sua tentativa de eliminar o eu é uma manifestação positiva de egoísmo. E saiba que isso soa como se você fosse uma pessoa batendo num tambor, enquanto está em busca de um fugitivo.”

Em outras palavras, viver de uma maneira em que nada é uma vantagem ou uma desvantagem, nunca é possível saber se algo é afortunado ou desafortunado. Só é possível conhecer as mudanças momentâneas e impermanentes e ver esperanças sendo alteradas em relação ao que vai acontecendo, agora.

Eventualmente, a sabedoria do Tao será suficiente para que se veja que não há um bem ou um mal que seja fixo e, assim, esse ponto de vista é chamado de ‘não-escolher’ (non-choosing), pois tudo acontece por si mesmo.  

(Conteúdo extraído do canal: https://www.youtube.com/watch?v=yo9qvgXMJRA ,adaptado e traduzido por Sônia Café – Escritora, Co Fundadora e Colaboradora de Nazaré Uniluz)

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