Ponderando com Alan Watts: Alan Watts e o mundo real

O que é o mundo real? Algumas pessoas admitem a teoria de que o mundo real é físico ou material; outras pessoas têm a teoria de que o mundo real é espiritual ou mental. Mas eu gostaria de apontar para o fato de que ambas as teorias sobre o mundo são conceitos.

Antes de decidirmos se vamos salvar o planeta ou destruí-lo, façamos uma pausa para um momento de silêncio. Quero dizer, silêncio real, no qual paramos de pensar e experienciamos a realidade assim como ela realmente é.

Afinal, se eu falar o tempo todo não posso ouvir o que os outros têm a dizer e se ficar pensando o tempo todo – e com isso quero dizer falar comigo mesmo, dentro de minha própria cabeça – se ficar pensando o tempo todo, não tenho nada sobre o que pensar, exceto os meus próprios pensamentos. Portanto, nunca estou em contato com o mundo real.

Entretanto, é possível descobrir que se a realidade se revela, todos os diferentes tipos de ilusão irão desaparecer. Podemos começar com algumas que são bem concretas, como por exemplo, o dinheiro. Ele é um método muito útil de contabilidade, é uma medida de riqueza, é possível ter uma quantidade fantástica de cédulas de dinheiro e muito mais aplicado em ações valiosas e estar numa ilha deserta. Tudo isso não teria qualquer utilidade ou valia para quem ali estivesse. Nessa circunstância, o dinheiro representa riqueza, mais ou menos da mesma maneira em que um cardápio representa o jantar. Estamos tão pervertidos psicologicamente que alguns dentre nós hão de preferir o dinheiro do que a verdadeira riqueza.

Não se pode dirigir cinco carros ao mesmo tempo, mesmo que sejam Cadillacs. Quem pode viver simultaneamente em cinco casas? Ou comer 12 lombos de carne numa única refeição. Há um limite para o que temos condição de consumir. Então essas são as confusões sobre as quais estou falando.

O presente é o único tempo real que existe. Não há passado e não há futuro. E nunca haverá. Ordinariamente, pensamos no presente como um ponto infinitesimal no qual o futuro se transforma no passado e fazemos outra coisa terrível que é nos imaginarmos como sendo resultados do passado. Estamos sempre passando o balde adiante por cima dos nossos ombros, como quando Deus se aproximou de Adão no Jardim do Éden e disse: “Comeste o fruto da árvore da qual lhe disse que não deverias comer?” E Adão disse, “Essa mulher que me concedeste tentou-me e eu comi o fruto.” E Deus olhou para Eva e disse: “Comeste o fruto da árvore da qual lhe disse que não deverias comer?” E Eva respondeu, “A serpente me enganou e eu comi.” E pelo canto do olho, Deus olhou para a serpente e não disse nada.

Estamos sempre passando o balde adiante e não percebemos que o passado é causado pelo presente, mas sempre teremos nossas desculpas. Mas a verdade dessa questão é a de que tudo começa aqui, neste momento presente e estamos criando isso agora, embora não admitamos. É claro que somos Deus disfarçado. Jesus descobriu essa verdade e foi crucificado por ter feito essa revelação. Mas não precisamos pensar em Deus como essa imagem. Não é possível conceber o que essa realidade é. Poderíamos, por exemplo, dizer que Deus é a Realidade.

Hoje, por todo o mundo, pratica-se uma disciplina chamada meditação que pode abrir caminho para se entrar em contato com a realidade. A palavra meditação em sua etimologia latina não se reporta diretamente ao significado dessa disciplina porque, no ocidente, quando dizemos que alguém está meditando, achamos que ela está ponderando profundamente sobre alguma coisa. Se perguntássemos a um praticante de meditação, nas tradições do oriente, sobre o que ele ou ela medita, veríamos uma expressão de suave perplexidade, pois não se medita sobre alguma coisa, apenas medita-se. E isso significa simplesmente parar de pensar, temporariamente. Às vezes falamos sobre a prática de meditação como se fosse o mesmo que praticar lições de piano, preparar-se para um concerto. Talvez, seja mais como a prática da medicina, quando alguém diz que “bem, eu pratico medicina”, significando que se faz isso todos os dias, como um modo de viver. E isso é uma coisa muito desafiante para os ocidentais compreenderem, porque, em geral, estamos tão fixados no futuro e quando dizemos que queremos acabar ou parar com alguma coisa, dizemos que ela não tem futuro. Bem, é melhor que haja um presente, pois se não houver é inútil fazer planos, porque quando eles se realizarem não se terá um presente para vivê-los, já se estará pensando em uma outra coisa.

Portanto, meditação é curiosamente uma atividade diferente de todas as outras. Ela não tem um propósito e, em sendo assim, ela poderá liberar o que é a realidade. Talvez por isso ouve-se dizer que os anjos no céu têm corações e circulam o Trono de Deus cantando aleluia, aleluia, aleluia…

Não é preciso pensar sobre o significado disso, porque não se pode ‘pensar’ sobre o significado de Deus, para que ele serve, qual a utilidade que ele tem e, portanto, da mesma maneira você não pode perguntar qual o significado de uma árvore, de uma nuvem, de uma samambaia, o porquê de tudo isso. Bem, costumamos ter todos os tipos de teorias estranhas, como por exemplo, que samambaias existem de uma certa maneira, para propagarem-se a si mesmas, assim como os pássaros que chocam ovos e servem para que mais pássaros aparecem, numa abordagem da mais pura engenharia da vida, a qual é completamente sem sentido.

E se, repentinamente, você disser ‘mas a minha vida não tem significado’ estará se identificando com palavras. E é isso o que fazemos.  Se eu tivesse que me identificar com Alan Watts, estaria me identificando com um conceito. E com palavras. Na verdade, com uma rede complicada e massiva de palavras e ainda assim estaria cometendo um erro.

Sendo assim, é necessário compreender algo sobre meditação: não é um exercício, não é uma ginástica mental, nem uma espécie de procedimento para melhorar-se a si mesmo ou porque faz bem, mas apenas porque percebe-se, finalmente, a existência de um eterno presente, no qual passado e futuro desaparecem e as divisões criadas pelas palavras se dissipam.

Será que é possível apontar a divisão existente entre os dedos da mão? Em outras palavras, será que é possível tocar a diferença entre eles? Isso não pode ser feito porque a diferença entre eles é meramente conceitual. É verdade que todos eles podem se mover independentemente, mas somente porque estão em unidade com o corpo. E quando o corpo está em unidade com o ambiente circundante, não é possível separar os dois. Assim como acontece com flores e abelhas. Se não há flores, não há abelhas. Onde não houver abelhas, não haverá flores. As duas parecem ser bem diferentes, mas são essencialmente um único organismo. A cabeça e os pés parecem muito diferentes, mas são um único organismo.(Conteúdo extraído do canal: https://www.youtube.com/watch?v=nkLAepMrIlY&t=24s, adaptado e traduzido por Sônia Café – Escritora, Co Fundadora e Colaboradora de Nazaré Uniluz)

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